A Netflix encontra-se no centro de uma disputa tributária com o governo brasileiro, depois de uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) ter confirmado a legalidade da cobrança de um imposto sobre remessas ao exterior, conhecido como Cide-Royalties. A medida poderá representar centenas de milhões de dólares em encargos adicionais para a gigante do streaming.
STF amplia incidência de imposto sobre remessas ao exterior
O STF decidiu, por uma votação apertada de seis votos contra cinco, que a Cide-Royalties pode incidir não apenas sobre transferências de tecnologia, mas também sobre pagamentos ao exterior relacionados com licenciamento de marcas, direitos autorais e serviços técnicos.
Esta decisão, proferida em Agosto, amplia o alcance do imposto e tem impacto directo sobre empresas estrangeiras que operam digitalmente no Brasil, como a Netflix, Spotify, Amazon Prime Video e outras plataformas de streaming.
De acordo com a Lei nº 10.168/2000, a Cide é uma contribuição destinada a financiar actividades de ciência, tecnologia e inovação no país. Até agora, a sua aplicação era alvo de interpretações restritivas, limitando-se a casos com transferência efectiva de tecnologia. O novo entendimento do STF altera essa prática, permitindo a cobrança mesmo quando o pagamento se refere apenas a licenças de uso de marca ou conteúdo.
Netflix regista provisão de 619 milhões de dólares
Em consequência da decisão e da expectativa de litígios fiscais, a Netflix contabilizou uma provisão de 619 milhões de dólares (cerca de 575 milhões de euros) nas suas demonstrações financeiras do terceiro trimestre de 2025.
A empresa afirmou que este valor corresponde a “ajustes relativos a disputas tributárias no Brasil”, mas sublinhou que não espera um impacto material nos resultados futuros.
O reconhecimento desta despesa extraordinária afectou o lucro líquido trimestral da Netflix, levando a um resultado abaixo do esperado pelos analistas. As acções da empresa registaram uma queda após a divulgação dos números.
Governo defende decisão como medida de justiça fiscal
O governo brasileiro elogiou a decisão do STF, argumentando que a medida garante maior justiça fiscal e reforça o financiamento da ciência e da tecnologia nacionais.
Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Cide-Royalties é essencial para manter o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que financia projectos de inovação em universidades e centros de pesquisa.
Em comunicado, o ministério destacou que “a decisão do Supremo assegura a continuidade de uma importante fonte de recursos para o desenvolvimento tecnológico do país”.
Empresas digitais alertam para insegurança jurídica
Por outro lado, representantes do sector digital alertam para o aumento da insegurança jurídica e dos custos de operação no Brasil.
Especialistas afirmam que a nova interpretação da lei poderá levar a cobranças retroactivas e a um encargo fiscal adicional de até 10% sobre remessas ao exterior, afectando directamente contratos de licenciamento e royalties.
Além da Cide-Royalties, empresas de streaming enfrentam no Brasil outros debates fiscais e regulatórios, como a eventual aplicação da Condecine, um tributo sobre o licenciamento e distribuição de obras audiovisuais, e propostas de quotas obrigatórias de conteúdo nacional nas plataformas digitais.
Impactos futuros ainda incertos
Analistas avaliam que, embora a decisão do STF possa fortalecer a arrecadação do governo, ela também tende a aumentar os custos para empresas estrangeiras e, potencialmente, para os consumidores brasileiros, caso as plataformas optem por repassar os encargos fiscais nos preços das assinaturas.
O caso da Netflix deverá servir como referência para outras multinacionais que actuam no mercado digital brasileiro, num contexto global em que governos procuram novas formas de tributar a economia digital.

